sexta-feira, 30 de março de 2012

Noções


Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.

Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.

Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram.

Virei-me sobre a minha própria experiência, e contemplei-a.
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.

Ó meu Deus, isto é minha alma:
qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e precário,
como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e inúmera…

Cecília Meireles

O nosso mundo

Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos
Como um divino vinho de Falerno
Poisando em ti o meu olhar eterno
Como poisam as folhas sobre os lagos…

Os meus sonhos agora são mais vagos
O teu olhar em mim, hoje é mais terno…
E a Vida já não é o rubro inferno
Todo fantasmas tristes e presságios!

A Vida, meu amor, quero vivê-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas hemos de bebê-la!

Que importa o mundo e as ilusões defuntas?…
Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?…
O mundo, Amor!… As nossas bocas juntas!…

Florbela Espanca

William Shakespeare – Soneto 19 (traduzido)



Tempo voraz, corta as garras do leão,
E faze a terra devorar sua doce prole;
Arranca os dentes afiados da feroz mandíbula do tigre,
E queima a eterna fênix em seu sangue;
Alegra e entristece as estações enquanto corres,
E ao vasto mundo e todos os seus gozos passageiros,
Faze aquilo que quiseres, Tempo fugaz;
Mas proíbo-te um crime ainda mais hediondo:
Ah, não marques com tuas horas a bela fronte do meu amor,
Nem traces ali as linhas com tua arcaica pena;
Permite que ele siga teu curso, imaculado,
Levado pela beleza que a todos sustém.
Embora sejas mau, velho Tempo, e apesar de teus erros,
Meu amor permanecerá jovem em meus versos.

William Shakespeare

XVIII



Shall I compare thee to a summer's day?
Thou art more lovely and more temperate:
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer's lease hath all too short a date:
Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimm'd,
And every fair from fair sometime declines,
By chance, or nature's changing course untrimm'd:
But thy eternal summer shall not fade,
Nor lose possession of that fair thou ow'st,
Nor shall death brag thou wander'st in his shade,
When in eternal lines to time thou grow'st,
So long as men can breathe, or eyes can see,
So long lives this, and this gives life to thee.
 


Devo igualar-te a um dia de verão?
Mais afável e belo é o teu semblante:
O vento esfolha Maio inda em botão,
Dura o termo estival um breve instante.
Muitas vezes a luz do céu calcina,
Mas o áureo tom também perde a clareza:
De seu belo a beleza enfim declina,
Ao léu ou pelas leis da Natureza.
Só teu verão eterno não se acaba
Nem a posse de tua formosura;
De impor-te a sombra a Morte não se gaba
Pois que esta estrofe eterna ao Tempo dura.
Enquanto houver viventes nesta lida,
Há-de viver meu verso e te dar vida.

William Shakespeare

O Sobrevivente



Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.
Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.
Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.
Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.
(Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade

Ausência



Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

Eu escrevi um poema triste



Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza…
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel…
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves…
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!

Mário Quintana

Grandes Autores

Neste espaço é possível encontrar textos dos autores que , na minha opinião, simbolizam o que de há de melhor na poesia. Autores brasileiros e alguns nomes da literatura mundial, que nos trazem a pureza e a grandeza das palavras na escrita poética. Boa leitura!

Grandes Autores

Carlos Drummond de Andrade
Cecília Meireles
Fernando Pessoa
Florbela Espanca
Manuel Bandeira
Mário Quintana
Pablo Neruda
Vinícius de Morais
William Shakespeare

William Shakespeare




Breve Biografia


William Shakespeare (Stratford-upon-Avon, 26 de Abril de 1564 — Stratford-upon-Avon, 23 de Abril de 1616)  foi um poeta e dramaturgo inglês, tido como o maior escritor do idioma inglês e o mais influente dramaturgo do mundo.
Entre suas obras mais conhecidas  e reverenciadas estão Romeu e Julieta, que se tornou a história de amor por excelência, e Hamlet, que possui uma das frases mais conhecidas da língua inglesa: To be or not to be: that's the question (Ser ou não ser, eis a questão).


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XVIII 
Soneto 19 

Vinícius de Morais




Breve Biografia



Vinicius de Moraes(Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1913 — Rio de Janeiro, 9 de julho de 1980) foi um diplomata, dramaturgo, jornalista, poeta e compositor brasileiro.
Poeta essencialmente lírico, também conhecido como "poetinha", apelido que lhe teria atribuído Tom Jobim, notabilizou-se pelos seus sonetos. Conhecido como um boêmio inveterado, fumante e apreciador do uísque, era também conhecido por ser um grande conquistador.
Sua obra é enorme, passando pela literatura, teatro, cinema e música.


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Soneto de fidelidade

Pablo Neruda




Breve Biografia



Pablo Neruda (Parral, 12 de Julho de 1904 — Santiago, 23 de Setembro de 1973) foi um poeta chileno, bem como um dos mais importantes poetas da língua castelhana do século XX e cônsul do Chile na Espanha (1934 — 1938) e no México.


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Talvez 
 Teu riso

Mário Quintana



Breve Biografia

(Alegrete, 30 de julho de 1906 — Porto Alegre, 5 de maio de 1994) foi um poeta, tradutor e jornalista brasileiro. Considerado o "poeta das coisas simples", com um estilo marcado pela ironia, pela profundidade e pela perfeição técnica.
Aqui alguns dos meus textos favoritos.

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Eu escrevi um poema triste

Manuel Bandeira




Breve Biografia

   Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (Recife, 19 de abril de 1886 — Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1968) foi um poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro.
Considera-se que Bandeira faça parte da geração de 22 da literatura moderna brasileira, sendo seu poema Os Sapos o abre-alas da Semana de Arte Moderna de 1922.
   Manuel Bandeira possui um estilo simples e direto. Bandeira foi o mais lírico dos poetas. Aborda temáticas cotidianas e universais, às vezes com uma abordagem de "poema-piada", lidando com formas e inspiração que a tradição acadêmica considera vulgares. Mesmo assim, conhecedor da Literatura, utilizou-se, em temas cotidianos, de formas colhidas nas tradições clássicas e medievais.
   Em sua obra de estreia (e de curtíssima tiragem) estão composições poéticas rígidas, sonetos em rimas ricas e métrica perfeita, na mesma linha onde, em seus textos posteriores, encontramos composições como o rondó e trovas.
   Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, onde foi o terceiro ocupante da cadeira 24, cujo patrono é Júlio Ribeiro. Sua eleição ocorreu em 29 de agosto de 1940, sucedendo Luís Guimarães Filho, e foi recebido pelo acadêmico Ribeiro Couto em 30 de novembro de 1940.

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Florbela Espanca




Breve Biografia


Florbela Espanca (Vila Viçosa, 8 de Dezembro de 1894 — Matosinhos, 8 de Dezembro de 1930), batizada como Flor Bela de Alma da Conceição Espanca,foi uma poetisa portuguesa.
A sua vida, de apenas trinta e seis anos, foi plena, embora tumultuosa, inquieta e cheia de sofrimentos íntimos que a autora soube transformar em poesia da mais alta qualidade, carregada de erotização e feminilidade.
Florbela é a minha maior identificação como poeta, na sua escrita lúdica, na entrega, na inquietude. Deliciem-se com Florbela Espanca.



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O nosso mundo
Conto de Fadas

Fernando Pessoa




Breve Biografia



Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta e escritor português.
É considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa, e da Literatura Universal, muitas vezes comparado com Luís de Camões. Por ter sido educado na África do Sul, para onde foi aos seis anos em virtude do casamento de sua mãe, Pessoa aprendeu perfeitamente o inglês, língua em que escreveu poesia e prosa desde a adolescência. Das quatro obras que publicou em vida, três são na língua inglesa.
Foi também empresário, editor, crítico literário, jornalista, comentador político, tradutor, inventor, astrólogo e publicitário, ao mesmo tempo em que produzia a sua obra literária em verso e em prosa. Como poeta, desdobrou-se em múltiplas personalidades conhecidas como heterônimos , o que foi objeto da maior parte dos estudos sobre sua vida e sua obra. Auto denominou-se um "drama em gente".

  "Criei em mim várias personalidades. Crio personalidades constantemente. Cada sonho meu é imediatamente, logo ao aparecer sonhado, encarnado numa outra pessoa, que passa a sonhá-lo, e eu não."
  "Só uma grande intuição pode ser bússola nos descampados da alma; só com um sentido que usa da inteligência, mas se não assemelha a ela, embora nisto com ela se funda, se pode distinguir estas figuras de sonho na sua realidade de uma a outra."


Alberto Caeiro (1889 - 1915):

    Alberto Caeiro é considerado o mestre de todos os heterônimos de Fernando Pessoa. Nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão, nem educação quase alguma, só instrução primária;seus pais morreram cedo e ele  ficou em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia avó. Morreu tuberculoso.


Ricardo Reis (1887 - 1935?)

    Ricardo Reis nasceu no Porto. Educado em colégio de jesuítas, é médico e vive no Brasil desde 1919, pois expatriou-se espontaneamente por ser monárquico. É latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria.


Álvaro de Campos (1890 - 1935?):

    Nasceu em Tavira, teve uma educação vulgar de Liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário.



 

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Pouco me importa 
 ... Assim como ...  
Magnificat 
Todas as cartas de amor são ridículas 
Autopsicografia 
Poema em linha reta

Cecília Meireles




Breve Biografia



Cecília Benevides de Carvalho Meireles(Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1901 — Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1964) foi uma poetisa, pintora, professora e jornalista brasileira. É considerada uma das vozes líricas mais importantes das literaturas de língua portuguesa.
Teve ainda importante atuação como jornalista, com publicações diárias sobre problemas na educação, área à qual se manteve ligada, tendo fundado, em 1934, a primeira biblioteca infantil do Brasil.
Tem um amplo reconhecimento na poesia infantil com textos como Leilão de Jardim, O Cavalinho Branco, Colar de Carolina, O mosquito escreve, Sonhos da menina, O menino azul e A pombinha da mata, entre outros.


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Noções

Carlos Drummond de Andrade



Breve Biografia

(Itabira, 31 de outubro de 1902 — Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1987) foi um poeta, contista e cronista brasileiro.
Drummond, como os modernistas, segue a libertação proposta por Mário e Oswald de Andrade; com a instituição do verso livre, mostrando que este não depende de um método fixo. Simplicidade, ritmo, marcas de Drummond.


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Ausência


O Sobrevivente

quinta-feira, 29 de março de 2012

Antes de acordar



Antes de acordar
esfreguei os olhos,
respirei bem fundo,
abri um olho de cada vez...
Teria sido mais um sonho?
Acho que não... Foi tão forte dessa vez...
O cheiro que ficou na pele denuncia
que não houve nada de imaginário naquela sintonia.
Então, quem sou eu pra duvidar de alguma coisa?
Quem sou eu pra cogitar impossibilidades?
Nada poderia provocar um bem estar assim,
se não fosse puro e verdadeiro,
se não dominasse o meu verbo e me fizesse relembrar
a importância e simplicidade do afeto.
Não necessito mais de palavras,
eu posso apenas sentir.
Sem rodeios nem falsos discursos
consigo enxergar sem mentir.
E como que por encanto (aquele encanto que só os sonhos têm)
eu volto a sorrir por inteiro
durmo de novo, da felicidade refém...

quarta-feira, 28 de março de 2012

Enredo meu


Matizes de algum passado
rudeza de gestos meus
perenes, entrelaçados
aos versos agora teus.
Meu corpo, que distante
de onde devia estar
expande a alma em círculos
fazendo-a divagar...
Por ali
tão perto
dos campos já serenados
imagino ser o teu corpo,
êxtase dos meus agrados.
Viajo nos meus acertos
nos medos dos meus desejos
nas saudades
nos segredos,
nas lembranças dos teus beijos...
Manhã de sol
enredo meu
da história repleta de anseios
de um amor
que transcendeu...

quinta-feira, 22 de março de 2012

Memórias cegas



Julgas a quem te olha
julgas quem te sorri...
Adormecestes?
Amaste o feio
e não o belo,
enlouquecestes por não ter
respostas certas.
Mais uma vez
buscas em outros
o que está dentro de ti
irrompe as paredes do tempo
indiferentes ao teu sentir,
ao teu sorrir.
Preceitos antigos
ditantes de outrora
regras então banidas
de um EU esquecido
de tuas angústias,
de tuas derrotas.
Julgas apenas...
Esquecestes da demora
do teu próprio encantamento,
da demora e da renúncia
dos ditames dos teus erros?
Por isso julgas...
Julgas quem te olha
julgas quem te sorri...
Realmente adormecestes...

quarta-feira, 21 de março de 2012

Em Círculo


Ontem tentando dormir
novamente recomeçou o penar
e nada consigo fazer,
senão permitir sem reclamar.
Ela a Consciência
e ele , o Coração
há anos disputam em mim
quem  dos dois tem mais razão.
Diz ela cheia de marra
como se já soubesse de tudo
que não tem nada mais ridículo,
mais imbecil e estúpido
que julgar sentimentos platônicos
como se fossem plausíveis,
ou quem sabe até oportunos.
Ele modesto como sempre,
só se faz emoção
a qualquer palpitar mareja os olhos
e apenas sente, não quer explicação.
Ele sabe que há tempos
desistiu de compreender
esse louco sentimento
que o invade e derruba tudo que estiver pela frente
sem nem à porta bater.
A Consciência diz ser tão simples
e de fácil resolução:


- Se sentes declara e ponto!
Deixa de ser lerdo e medroso
Abre-te e aí então
 fala tudo o que sente
e vê se vale a pena ou não!
O Coração sabe que isso
envolveria tantas coisas...
E que a mágoa abrangeria
Não só ele, mas outras pessoas.
Pede então à Consciência:
O que devo fazer então?
Ela pára, franze o cenho
E se põe a calcular.
Analisa datas, frases,
olhares,palavras soltas
pra tentar lhe ajudar.
Rapidamente idealiza:
-Mas que triste situação!
Isso  deve ser entre duas pessoas
e não três , quatro , ou cinco...
Então fuma mais alguns cigarros,
bebe mais um pouco de vinho...
E decide que o Coração está louco,
e já tem tudo que precisa...
Pra que vai fuçar o passado
e revirar as cinzas
de algo tão intangível
que nem se sabe se realmente existiu?
Ele , acostumado à Consciência
sabendo que ela não resolve nada
respira fundo e boceja
e pede mais uma garrafa.
Diz à ela sem surpresas
que ela nunca entenderá a saga.
E bebendo sua cerveja
lhe diz que o amor
não precisa de escadas
ele se arma do que  estiver a mão
e simplesmente se instala.
E eu com dor de cabeça já
cansada de tanta insensatez
me estresso e grito alto:
-Vamos dormir os três!
A Consciência faz birra,
mas logo vê que é o melhor...
O Coração só chora,
soluça que é de dar dó.
E mais uma vez, como há tanto tempo
não resolvem nada nunca...
Dormem os dois brigados
de birra, bunda com bunda,
e me deixam ali cansada,
exausta e novamente
sem resposta e atrapalhada.