sábado, 26 de maio de 2012



Abrindo um antigo caderno
foi que eu descobri:
Antigamente eu era eterno.


Paulo Leminski

Dia sem senso
acendo o cigarro
no incenso.

Paulo Leminski

Paulo Leminski sem título

Não discuto
com o destino,

o que pintar
eu assino.



Paulo Leminski

Parada cardíaca


Essa minha secura
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure,
vem de dentro.
Vem da zona escura
donde vem o que sinto.
Sinto muito,
sentir é muito lento.

Paulo Leminski

Paulo Leminski sem título



Nunca cometo o mesmo erro
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez.



Paulo Leminski

Paulo Leminski





Breve biografia

Paulo Leminski Filho (Curitiba, 24 de agosto de 1944 — Curitiba, 7 de junho de 1989) foi um escritor, poeta, crítico literário, tradutor e professor brasileiro.

Por sua formação intelectual, Leminski é visto por muitos como um poeta de vanguarda, todavia por ter aderido à contracultura e ter publicado em revistas alternativas, muitos o aproximam da geração de poetas marginais, embora ele jamais tenha sido próximo de poetas como Francisco Alvim, Ana Cristina César ou Cacaso. Leminski em muitas ocasiões declarou sua admiração por Torquato Neto, poeta tropicalista e que antecipou muito da estética da década de 1970.
A música estava ligada às obras de Paulo Leminski, uma de suas paixões, proporcionando uma discografia rica e variada. Na poesia a influência da MPB é muito clara fazendo com que surgissem  belas letras de música,compostas por ele,  ricas em criatividade e leveza.

Além de poeta e prosista, Leminski era também tradutor (traduziu para o castelhano e o inglês alguns trechos de sua obra Catatau, a qual foi traduzida na íntegra para o castelhano).

Dentre suas atividades, criou habilidade de letrista e músico. Verdura, de 1981, foi gravada por Caetano Veloso no disco Outras Palavras. A própria bossa nova resulta, em partes iguais, da evolução normal da MPB e do feliz acidente de ter o modernismo criado uma linguagem poética, capaz de se associar com suas letras mais maleáveis e enganadoramente ingênuas às tendências de então da música popular internacional. A jovem guarda e o tropicalismo, à sua maneira, atualizariam esse processo ao operar com outras correntes musicais e poéticas.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

FEBRE


Lembranças de um dia de sol
sozinha em um quarto sombrio
amargando as paredes frígidas
refletindo meu corpo febril.
Febre seca,
desalenta...
Alma dócil estirpada.
Da doce mente inocente
sobra o resto de nada
Febre,
dor contínua,
repulsiva...
Das lembranças:
Inativa
Insensata mente inútil
crê vencer a escuridão,
não percebe que a doença
tem uma nova dimensão.
O sol não mais me aquece
nem percebe que meu corpo perece
A repulsa, o remorso:
Não fogem...
Só crescem.


 

sábado, 12 de maio de 2012

XLVIII


Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a humanidade.

E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.

Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.

Quem sabe quem os lerá?
Quem sabe a que mãos irão?

Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvores, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.

Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.

Passo e fico, como o Universo.


Alberto Caieiro (Fernando Pessoa)

A FOICE

Não é fácil gostar das pessoas.
Não é fácil fazer o bem quando o mundo todo
conspira pelo engano e pela maldade.
Se quiser agir com naturalidade,
simplesmente tomar uma atitude
ou ter um gesto de generosidade
prepare-se para a ira do Universo!
Senão do Universo, da Terra, seu planeta-morte.
Este lugar onde ninguém se contenta
em ver a felicidade no rosto de alguém,
onde ninguém corrobora
para um bem maior
ou simplesmente colher a lágrima de alguém...
Não é fácil gostar das pessoas.
Quando estiveres bem
e em paz consigo mesmo:
Suspeite!
A foice anda a espreita
esperando por um resquício de felicidade,
uma brisa de sorte,
ou um tropeço qualquer
que possa lhe causar a morte.
Se quiseres conviver bem
com os ditames desse povo sem lei
aja como se não fosse com você
e trate a todos com desdém. 
Quando sentir-se só
busque em você mesmo
a força para se reerguer:
Não confie!
Não sorria!
Não cante...
Estão observando você
para te fazer sentir vazio
assim que um sorriso brotar
no teu rosto marcado de dores.
Não é fácil gostar das pessoas.



Daniela Reis

segunda-feira, 7 de maio de 2012

MENTE OBTUSA



Das sombras colhi desespero

do amor que obstante ainda espero

vi as cores

translúcidas embora pálidas

que enredavam um EU tão cansado

corrompido de medos e anseios

que ainda julgando obtusos

não viam minhas falhas, meus erros.

Pois eu já distante de tudo

da inércia de meus pensamentos

recolho-me a simples censura

dos que ainda me têm o afeto.

Já não sei dizer

se ainda sei o que sinto

já não sei sentir,

mas espere

eu minto!

Eu minto ao pensar que o afeto

pode ser transparente e verdadeiro

ao achar que o fogo ao braseiro

aquece minh ‘alma tão cheia de anseios

que pode limpar meu espírito

que pode suprir os meus medos.

Insólita e fugaz é minha mente

esquálida de luz sem julgamentos,

na veia simples de um círculo vicioso

vejo enlaces, e amores

e apegos...

Daniela Reis

Ah, perante esta única realidade


Ah, perante esta única realidade, que é o mistério,
Perante esta única realidade terrível – há de haver uma realidade.
Perante este horrível ser que é haver ser.
Perante este abismo de existir um abismo,
Este abismo de a existência de tudo ser um abismo,
Ser um abismo por simplesmente ser,
Por poder ser,
Por haver ser!
- Perante isto tudo como tudo o que os homens fazem,
Tudo o que os homens dizem,
Tudo quanto constroem, desfazem ou se constrói ou desfaz através deles,
Se empequena!
Não, não se empequena… se transforma em outra coisa -
Numa só coisa tremenda e negra e impossível.
Uma coisa que está para além dos deuses, de Deus, do Destino -
Aquilo que faz que haja deuses e Deus e Destino,
Aquilo que faz que haja ser para que possa haver seres,
Aquilo que subsiste através de todas as formas,
De todas as vidas, abstratas ou concretas,
Eternas ou contingentes,
Verdadeiras ou falsas!
Aquilo que, quando se abrangeu tudo, ainda ficou fora,
Porque quando se abrangeu tudo não se abrangeu explicar por que é um tudo,
Por que há qualquer coisa, por que há qualquer coisa, por que há
qualquer coisa!

Minha inteligência tornou-se um coração cheio de pavor,
E é com minhas idéias que tremo, com a minha consciência de mim.
Com a substância essencial do meu ser abstrato
Que sufoco de incompreensível,
Que me esmago de ultratranscendente,
E deste medo, desta angústia, deste perigo do ultra-ser,
Não se pode fugir, não se pode fugir, não se pode fugir!

Cárcere do Ser, não há libertação de ti?
Cárcere de pensar, não há libertação de ti?

Ah, não, nenhuma – nem morte, nem vida, nem Deus!
Nós, irmãos gêmeos do Destino em ambos existirmos,
Nós, irmãos gêmeos dos Deuses todos, de toda a espécie,
Em sermos o mesmo abismo, em sermos a mesma sombra,
Sombra sejamos, ou sejamos luz, sempre a mesma noite.
Ah, se afronto confiado a vida, a incerteza da sorte,
Sorridente, impensando, a possibilidade quotidiana de todos os males,
Inconsciente do mistério de todas as coisas e de todos os gestos,
Por que não afrontarei sorridente, inconsciente, a Morte?
Ignoro-a? Mas que é que eu não ignoro?
A pena em que pego, a letra que escrevo, o papel em que escrevo,
São mistérios menores que a Morte? Como, se tudo é o mesmo mistério?
E eu escrevo, estou escrevendo, por uma necessidade sem nada.
Ah, afronte eu como um bicho a morte que ele não sabe que existe!
Tenho eu a inconsciência profunda de todas as coisas naturais,
Pois, por mais consciência que tenha, tudo é inconsciência,
Porque é preciso existir para se criar tudo,
E existir é ser inconsciente, porque existir é ser possível haver ser,
E ser possível haver ser é maior que todos os Deuses.


Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Navegar é Preciso



Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
“Navegar é preciso; viver não é preciso”.

Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:

Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo
e a (minha alma) a lenha desse fogo.

Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.

Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.

Fernando Pessoa

Motivo


Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

domingo, 6 de maio de 2012

Receita de Mulher


As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como no âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos então
Nem se fala, que olhe com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável.
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteie em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mas que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas que haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto, sensível à carícia em sentido contrário. É aconselhável na axila uma doce
relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!).
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser frescas nas mãos, nos braços, no dorso, e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
A 37 graus centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher de sempre a impressão de que se fechar os olhos
Ao abri-los ela não estará mais presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo
Que ela não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação imunerável.


Vinícius de Moraes

Do Amoroso Esquecimento





"Eu agora, – que desfecho!
Já nem penso mais em ti…
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?"


(Mário Quintana, poema do livro Espelho Mágico. 2a. edição. São Paulo: Globo, 2005. p. 49)

MENINA DAS FLORES


Nasceu: Pura esperança
de um futuro promissor...
Ganhou de tudo, de todos,
o mais generoso amor.
Infância regada à magia;
das asas da imaginação
sabia-se já de outrora
que era menina em flor.
Andava de pés descalços,
sentindo o chão, a terra,
falava com o vento, com as aves,
transbordava a primavera!
No auge da juventude
percebe-se inibida
diante das novas cores
e armadilhas da vida...
Sorriu...
Com as flores dava certo...
As flores sempre entendiam
suas dores...
Seus amores...
Mas o mundo a julgava ingênua
por ainda falar com as flores.
Agora escrava da dor
mantém-se distante de tudo,
calada em seu próprio mundo
para os outros: absurdo!
A menina das flores, do vento,
das cores, das estações,
tornou-se inerte a tudo:
Até às suas emoções...

PULSA


Com olhos de águia
 a me vigiar...
Pesadelos antigos
a me perturbar.
As luzes estranhas
evocam a morte,
nas minhas fobias
procuro ser forte!
Os pulsos resgatam
a insanidade refeita,
e as marcas me mostram
a saída perfeita.
Em insignificância tamanha
esta eu não pude alcançar
nem mesmo os cortes profundos
fiz de modo a expirar.
O sangue vertendo impuro,
e as asas fazendo-me flutuar,
deixando-me livre enfim
no universo a voar.
Alma leve
vai solta no espaço...
distante da águia
e suas garras de aço.
Não mais pulsa...
Verte...
Já não faz mais diferença:
Esquece!