segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

SE



Seria mais simples então
ela havia decidido.
Não esperaria mais nos finais de tarde,
não esperaria mais a noite.
Não atentaria pra cada palavra dita por ele
nem procuraria sinais em cada gesto.
A inércia amortece.
Inerte, sem expectativas, nem nada.
Sentimento exposto apenas, amor livre,
apenas deixando viver o que a vida permitisse viver.
Parece simples, não?
E seria se a saudade não fosse mais forte.
Se não fizesse acordar no meio da noite,
se não rendesse suspiros
de querer parar o tempo por alguns instantes.
O que fazer então? Voltar a esperar? Seguir sem ação?
Correr sem destino, sem direção?
Ah! Se ele soubesse...
Quantas vezes ela quis estar.
Apenas ESTAR.
Mas de nada adianta sentir então... Se a vida não lhe permite amar.


Daniela Reis

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O Filho da Lua


Luares de antigos temores 
dos filhos de seus descendentes
dos deuses dos raios noturnos
surgiram efeitos cedentes.
De amores então contemplados
sob o luar imponente
surgiu o filho da Lua
banhado na luz complacente.
Amado de Zeus , de Posseidon
carinho obscuro de Ártemis,
o filho da Lua tornou-se
a bênção dos homens de carne.
Cuidado e quimera em zelo
trazidos ditames de outrora
pareciam enredar os desejos
da inveja dos filhos de agora.
Não foi a lança a ferir-lhe,
não foi o fogo a queimar-lhe
foi o coração já banido
que o fez desfazer-se em pedaços.
Pedaços da alma tão pura
singela e repleta de afagos
que por vezes inebriava
o brilho da Lua de fato.
Do néctar dos deuses
quimeras de além mar
restaram apenas lembranças
de um elo a se procurar...
Do filho da Lua restou
o penar de seus últimos dias
as gotas brilhantes do choro,
da angústia por ele sentida.
Os deuses penderam-nas todas
no céu tão escuro e profundo
e as lágrimas do filho da Lua
refletem hoje as dores do mundo...


Daniela Reis

INFÂNCIA






Acordar
um ato célebre
bem em meio ao arvoredo...
Na casa velha de madeira
com cheiro de infância,
com cheiro de passado,

com cheiro de inocência.
Da época em que achava
que os bebês vinham do banhado
me atolava dias inteiros
procurando os pequenos no barro.
Sei lá eu quem me contou
mas enfim,acreditei,
queria pra mim um gurizinho
pra brincar, pra cuidar,
que boba eu...
Acreditava também
no lobo da lua cheia
que a bisa me contava
em histórias de dar arrepios,
em noites de tanto frio
em volta do fogo altivo
em que as chamas crepitavam.
Lembro-me bem da bisa
a quem eu chamei de vó
fazendo-me biscoitinhos
e contando histórias
relembrando sonhos
de um passado recente
porém só.
Que ela passou criando
os muitos filhos que tivera
enquanto meu biso tropeava
em viagens de longa espera.
Mulher forte,
dura lida
dia a dia foi lutando
uma casa, oito filhos,
quando em quando desabando.
Minha infância foi marcada
por imagens isoladas,
a volta do campo,
o café,
cheiro tão bom,
o pãozinho com queijada.
Amanhecer no arvoredo
após vários,
tantos anos
é enriquecer o meu espírito
que hoje entendo,
foi mudando...
Na casa velha de madeira
onde aprendi cevar o mate,
onde a vó ensinou-me
a coser nos fins de tarde
pude sorrir
e transcender...
Pude aceitar a minha essência.
Pois se sou hoje
fibra,porte,
esforço,caminho, cadência,
é porque vivi das coisas simples
e tive o bem por excelência.
Acordei pra meus amores
acordei pra meus viveres,
percebi no arvoredo
o passado e o futuro
enlaçados no compasso
do afã de meus quereres.

Daniela Reis

sábado, 1 de setembro de 2012

Soneto do Maior Amor

 
Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer – e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.

 
           Vinícius de Moraes

Soneto de Corifeu (da peça Orfeu da Conceição)

 
 
 
São demais os perigos desta vida
Pra quem tem paixão principalmente
Quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecida
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher
Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer de tão perfeita
Uma mulher que é como a própria lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.
 
 
Vinícius de Moraes

domingo, 26 de agosto de 2012

Hoje é Outro Dia

 
 
Quando abro cada manhã a janela do meu quarto
É como se abrisse o mesmo livro
Numa página nova…
 
 
 Mario Quintana
(Poema publicado originalmente no livro A Cor do Invisível, retirado de Poesia Completa – Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005, p. 855)

A saudade

 
 
 
 
 
A saudade é o que faz as coisas pararem
no Tempo.
 
 
Mário Quintana
 
(poema do livro Preparativos de Viagem, retirado de Poesia Completa – Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005, p. 773)

sábado, 25 de agosto de 2012

Se cada dia cai

 
 
 
 
Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.
há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.
 
Pablo Neruda

SER OU NÃO SER?




Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre
Em nosso espírito sofrer pedras e setas
Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,
Ou insurgir-nos contra um mar de provocações
E em luta pôr-lhes fim? Morrer, dormir: não mais.
Dizer que rematamos com um sono a angústia
E as mil pelejas naturais – herança do homem:
Morrer para dormir… é uma consumação
Que bem merece e desejamos com fervor.
Dormir… Talvez sonhar: eis onde surge o obstáculo:
Pois quando livres do tumulto da existência,
No repouso da morte o sonho que tenhamos
Devem fazer-nos hesitar: eis a suspeita
Que impõe tão longa vida aos nossos infortúnios.
Quem sofreria os ralhos e a irrisão do mundo,
O agravo do opressor, a afronta do orgulhoso,
Toda a lancinante do mal-ajeitado amor,
A insolência oficial, as dilações da lei,
Os tolerantes que dos nulos têm de suportar
O mérito paciente, quem o sofreria,
Quando alcançasse a mais perfeita quitação
Com a ponta de um punhal? Quem levaria fardos,
Gemendo e suando sob a vida fatigante,
Se o receio de alguma coisa após a morte,
– Essa região desconhecida cujas raias
Jamais viajante algum atravessou de volta –
Não nos pusesse a voar para outros, não sabidos?
O pensamento assim nos acovarda, e assim
É que se cobre a tez normal da decisão
Com o tom pálido e enfermo da melancolia;
E desde que nos prendam tais cogitações,
Empresas de alto escopo e que bem alto planam
Desviam-se de rumo e cessam até mesmo
De se chamar ação.



William Shakespeare



To be, or not to be: that is the question:
Whether ’tis nobler in the mind to suffer
The slings and arrows of outrageous fortune,
Or to take arms against a sea of troubles,
And by opposing end them? To die: to sleep;
No more; and by a sleep to say we end
The heart-ache and the thousand natural shocks
That flesh is heir to, ’tis a consummation
Devoutly to be wish’d. To die, to sleep;
To sleep: perchance to dream: ay, there’s the rub;
For in that sleep of death what dreams may come
When we have shuffled off this mortal coil,
Must give us pause: there’s the respect
That makes calamity of so long life;
For who would bear the whips and scorns of time,
The oppressor’s wrong, the proud man’s contumely,
The pangs of despised love, the law’s delay,
The insolence of office and the spurns
That patient merit of the unworthy takes,
When he himself might his quietus make
With a bare bodkin? who would fardels bear,
To grunt and sweat under a weary life,
But that the dread of something after death,
The undiscover’d country from whose bourn
No traveller returns, puzzles the will
And makes us rather bear those ills we have
Than fly to others that we know not of?
Thus conscience does make cowards of us all;
And thus the native hue of resolution
Is sicklied o’er with the pale cast of thought,
And enterprises of great pith and moment
With this regard their currents turn awry,
And lose the name of action. – Soft you now!
The fair Ophelia! Nymph, in thy orisons
Be all my sins remember’d. Whether ’tis nobler in the mind to suffer
The slings and arrows of outrageous fortune,
Or to take arms against a sea of troubles,
And by opposing, end them. To die, to sleep;
No more; and by a sleep to say we end
The heart-ache and the thousand natural shocks
That flesh is heir to — ’tis a consummation
Devoutly to be wish’d. To die, to sleep;
To sleep, perchance to dream. Ay, there’s the rub,
For in that sleep of death what dreams may come,
When we have shuffled off this mortal coil,
Must give us pause. There’s the respect
That makes calamity of so long life,
For who would bear the whips and scorns of time,
Th’oppressor’s wrong, the proud man’s contumely,
The pangs of despised love, the law’s delay,
The insolence of office, and the spurns
That patient merit of th’unworthy takes,
When he himself might his quietus make
With a bare bodkin? who would fardels bear,
To grunt and sweat under a weary life,
But that the dread of something after death,
The undiscovered country from whose bourn
No traveller returns, puzzles the will,
And makes us rather bear those ills we have
Than fly to others that we know not of?
Thus conscience does make cowards of us all,
And thus the native hue of resolution
Is sicklied o’er with the pale cast of thought,
And enterprises of great pitch and moment
With this regard their currents turn awry,
And lose the name of action.

domingo, 19 de agosto de 2012

Arte de Amar


Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.



Manuel Bandeira

Consoada


Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.


 Manuel Bandeira

Vou-me Embora pra Pasárgada



Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha falsa e demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

domingo, 22 de julho de 2012

( À )penas


Basta fechar os olhos
que eu vou te encontrar
em somente um minuto
em qualquer espaço
lugar ou tempo
eu irei te encontrar.
Dentro de mim vive livre
sem esperas ou medos
vive leve
pelo vento
vive brisa:
Amor apenas vivendo.
Basta fechar os olhos
e todo o resto
(que é só resto)
some como que por encanto
e só o  cheiro, e o gosto
e o sentir
e o teu rosto...
Amor à penas vivendo.
Basta fechar os olhos
que eu irei te encontrar,
pois aqui, do outro lado
ainda sonho...
Não quero acordar.


Daniela Reis

sábado, 21 de julho de 2012

BREU



E foi assim
como um clarão repentino,
como um sopro de vento fresco
em meio ao ardor do deserto.
Passou por mim transformando
tudo aquilo que eu sabia
há tempos não estar certo.
E foi assim,
feito um torpor
um estado nostálgico pleno
um salutar novo invento:
obra nova dentro de mim.
Resgate das velhas
incansáveis
e ternas lembranças
que mesmo com o passar dos anos
teimam em retratar esperanças.
E foi assim
como a descoberta de um EU
que jazia pútrido,
esquecido
e inerte aos apelos meus,
renascendo límpido
e em paz
transpassando aquele breu.
Breu este
que ao repensar agora
nada mais era
que a fuga
das minhas eternas esperas.
Este brilho,
esta luz
sempre estiveram lá
e apenas sufocaram-se
diante daquele penar.
E foi assim
que eu me vi renascer:
Como um clarão repentino
que norteia a caminhada
em pleno anoitecer...

Daniela Reis

domingo, 1 de julho de 2012

LABIRINTO

Um labirinto íngreme
nos caminhos do meu coração
desfaz as paredes imensas
e as crateras que tão extensas
anseiam o fulgor da paixão.
Como um brinquedo inanimado
num canto pegando poeira
moldado à meus caprichos
sem opinião nem cadência,
és apenas alguém sem memórias
sem talentos
nem amigos.
Por fazeres de mim teu pilar
por me veres como algo a alcançar
por quereres que minh’alma esquecesse
da mente que quer navegar
fostes a imagem retida
num elo distorcido de amar.
Como um brinquedo puído
já sem mais nenhum atrativo
estiva-me o espírito lento
querendo-me sem nenhum sentido.
Num labirinto íngreme
das paredes do meu coração
remetendo aos enlaces vindouros
das veias da poesia em canção
tentas reconquistar-me
tentas novamente encantar-me...
Mas como um brinquedo inanimado
num canto pegando poeira
permaneces em meu peito escondido
sem nenhum sentimento profícuo
nem reminiscências...
Apenas fica ali
comigo a ser teu pilar
com teu sentir obsessivo
e teu riso a me perturbar....
Pena não conheceres os caminhos
do sentir de meu coração
pois as chaves não estão escondidas
são duelos gritantes da razão.

Daniela Reis









domingo, 24 de junho de 2012

AQUI JAZ






Ainda tênue

e parcimônico

reluzente...

Antônimo!

Das relíquias

dos luzeiros,

dos montantes tão ligeiros...

Vi teu fim

num calabouço...

De idéias antiquadas e abstêmias

que não ferem ,

mas desdenham teus temores...


Daniela Reis

sexta-feira, 8 de junho de 2012

A menina e o violão


Existia uma pequena
que era toda coração,
menina pura de encantos
adoradora da canção.
Respirava melodia,
transpirava acordes, sons...
Sabia que cada brisa em seu rosto
era Deus numa oração.
Certa vez viu pelo caminho
na vitrine um violão.
Seus olhos brilharam tão forte,
suas mãos tremiam ...Palpitação.
A impressão é que se ouvia
a milhas o seu coração.
Dia após dia
a menina ali parava,
olhava pensando alto
quais maravilhas o violão lhe reservava.
Ela quase podia ouvir
seu dedilhar na noite fria,
emudecendo seus medos antigos
vibrando em pura melodia.
Certo dia, encorajada,
já cansada de esperar
resolveu entrar na loja...
Sem pudores,sem temores,
e pediu pra o segurar.
Foi então neste momento
que a menina viu nascer
a vertente mais pura de amor
e a ligação a transcender.

Sentiu as cordas com calma,
e as fez soar livremente...
E foi como se os próprios anjos
estivessem fazendo arpejos.
Um instante apenas,
com gosto de eternidade.
Uma paz quase santa...
A luz em serenidade.
...
Anos passaram,
as coisas também mudaram,
e a menina por ali cresceu.
Lembrando do momento mais terno
de ligação, sinceridade e afeto
que aquela música lhe concedeu.
Até que ao passar pela loja,
viu que o violão desaparecera.
E foi quando viu na calçada
no banco em frente à entrada
uma moça com ele a tocar...
Mesmas cordas, mãos talentosas,
mas a magia perdera-se no ar.
E o mais triste era perceber,
que ele estava no seu lugar.
Que por mais que a menina quisesse
nunca aprenderia a tocar
com a maestria e o engajo
daquela moça a solar.
Porém aquela música
nunca mais se apagou,
e ainda revive a memória
de um tempo em que calou
todo o mundo ao seu redor
formando um elo de amor.


Daniela Reis